Uma "aula" de liderança e disciplina
Mas agora ia ser preciso fazer o shifting do Creoula. Ou seja, o lugar onde nós estávamos no cais era o posto de acostagem do Golfinho Azul, um dos navios que faz o transporte inter-ilhas e que chegava nessa noite. Teríamos por isso que chegar o Creoula para o posto de acostagem seguinte. E do porto só tinham avisado sobre isso bastante tarde, com uma parte da guarnição já em terra, que foi preciso chamar para voltarem a bordo... Eu tinha ficado à conversa na ponte e quando me apercebi já estavam a dar início à manobra. Deixei-me ficar...
E assisti à manobra toda ali de trás. Que cena fantástica! Que pena não ter ali uma câmara de vídeo: não vou ser capaz de reproduzir o que vi, o que ouvi, o que senti. O mais certo é ter sido uma manobra idêntica a tantas outras, mas eu nunca a tinha visto dali. O normal seria estar no convés. E estar a dar atenção, como de manhã quando atracámos, ao que acontecia fora do navio: à distância a que estávamos do cais, ao cais (afinal sou “engenheira de portos”), a quem estava no cais, às retenidas que eram lançadas, se chegavam ou não chegavam ao cais, ao caçar das regeiras e lançantes, por aí fora. Ali estava no “centro das operações”. Ouvia as ordens, as respostas, os “recebidos”. Via as reacções do “homem do leme”, do “homem da máquina”, dos marinheiros que manobravam os cabos de amarração. Estava fascinada!
Assisti à calma com que as ordens eram dadas. Para a ponte directamente. Para a proa através do “walkie-talkie”. À calma com que eram acolhidas as reacções por vezes a raiar o agressivo, provavelmente resultantes da extemporânea interrupção de uma noite de folga. Sentia-se tensão no ar. A tensão provocada pelo inesperado da tarefa. Por ter sido interrompido um jantar, uma noite de copos, uma conversa de amigos. A somar à tensão inerente à manobra. Era fundamental assegurar a calma. As ordens seguiam-se quase ininterruptamente. Para a proa, para a popa, para o leme, para a máquina. Secas mas tranquilas. Não as consigo reproduzir... E as respostas eram prontas, de vez em quando repetidas de forma provocadora se o “recebido” demorava.
Que pena não ter filmado! Mas teria a câmara sido capaz de captar o que se tinha ali passado? Duvido. Foi mais do que uma manobra complicada. Foi uma aula de liderança e de disciplina... Foi um dos momentos que mais me impressionou nesta viagem.